top of page

Não te matarás: suicídio, prevenção e psicanálise 

O artigo parte dos princípios que orientam a prevenção do suicídio, tomando por referência o projeto da Organização Mundial da Saúde que se ocupa do tema. Destaca-se o fundamento da vulnerabilidade e a consideração de que não se trata de ato voluntário. A partir de Freud e Lacan, aponta-se que tal direcionamento para o tema reforça o não querer saber sobre a causa, via correlata ao querer o bem do outro.

Marcos Vinicius Brunhari  - Vinicius Anciães Darriba

O suicídio caracteriza-se por ser alvo de abordagens e compreensões distintas tanto pelas ciências quanto pela filosofia e pelas religiões. É um fato que, muitas vezes único por ser fatal, se manifesta em formas distintas e é multifacetado pelas abordagens e compreensões que o exploram como objeto. É um tema carregado de impacto e sobressalto e que comporta situações de dor e de sofrimento. Dessa forma, o suicídio torna-se objeto de questionamentos e afirmações que o definem, caracterizam seu praticante e a forma de seu ato. A discussão trazida por este artigo é disposta a partir da abordagem dada ao suicídio pelas práticas preventivas. Mais especificamente, refere-se aqui às práticas em prevenção propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que têm um projeto especial com tal propósito. Este projeto, chamado SUPRE (Suicide Prevention), apresenta avaliações de comportamento suicida e de fatores de risco. Consequentemente, o projeto delineia uma visão particular sobre o suicídio e sobre aquele que o comete. A visão particular dessa forma de abordagem permite compreender o suicídio como algo não racional e não voluntário, determinando que aquele que comete suicídio raramente, ou nunca, quer morrer. A questão centra-se sobre essa visada, acrescentando que aquele que comete suicídio é apresentado como vulnerável a tanto, a partir do que se estrutura a prática preventiva. A vítima do suicídio deve ser protegida de um algoz que não a habita. É por posicionar aquele que comete suicídio como vítima que se abre a possibilidade de querer saber como evitar que se acessem meios e que se corram riscos. Entretanto, não se questiona a causa, não se quer saber disso. É nesse ponto que se localiza o impasse que permite uma discussão com a Psicanálise. A partir das afirmações de Sigmund Freud em seu texto “Mal-estar na civilização” (1930 [1929]) em referência ao mandamento “Amarás teu próximo como a ti mesmo” e à negação da agressividade que esse mandamento supõe, inicia-se a discussão acerca do impedimento “Não te matarás” como negação da mesma agressividade. Será com Jacques Lacan, em seu “Seminário, livro 7: a ética da psicanálise” (1959-60), que esta negação será pensada como um recuo diante do gozo. Por fim, acompanhando a discussão traçada entre a descrição da prática em prevenção do suicídio e as proposições de Freud e de Lacan, serão feitas considerações a respeito do que se previne quando se nega a dimensão na qual se supõe a destruição e o que a Psicanálise acrescenta ao objetivo de se tomar o suicídio e aquele que comete tal ato como dignos de interesse.

depressao-fragmentos-730x466-730x466.jpg

No âmbito do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias, o projeto designado SUPRE (Suicide Prevention) é organizado em colaboração com outros grupos e departamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua meta é a prevenção de comportamentos suicidas, tendo como objetivo geral reduzir a mortalidade e a morbidade devidas aos comportamentos suicidas. Objetiva-se, mais especificamente, a redução duradoura das taxas de suicídio. Procura-se identificar, avaliar e eliminar, em fases iniciais, na medida do possível, fatores que possam levar jovens a retirarem suas próprias vidas. Busca-se ainda aumentar o conhecimento sobre o suicídio e o apoio àqueles que têm ideações, experiências ou que são familiares e amigos próximos de pessoas que cometeram suicídio (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). SUPRE, portanto, é uma iniciativa mundial que visa à prevenção de comportamentos suicidas. A relevância de tal empresa assenta-se na proporção que o suicídio toma a partir das estatísticas. A saber, segundo dados da OMS, estima-se uma taxa mundial de mortalidade por suicídio de um a cada quarenta segundos. Um aumento de sessenta por cento, nos últimos quarenta e cinco anos, coloca o suicídio como a segunda principal causa de morte no grupo etário que vai dos dez aos vinte e quatro anos. Entre os jovens do sexo masculino é o de maior risco em um terço dos países. E, ainda segundo esses dados, os transtornos mentais são um importante fator de risco. O reconhecimento destes dados possibilita aos programas de incentivo à prevenção uma visada do suicídio como um complexo que envolve fatores psicológicos, sociais, biológicos, culturais e ambientais. Sobretudo, “como um sério problema de saúde pública, o suicídio nos demanda atenção” (WORLD HEALTH ORGANIZATION 2002, p.4). A prevenção do suicídio pelo programa SUPRE, iniciada em 1999, dá relevância à informação e à conscientização. É sob a égide de um caráter epidemiológico que se encontra justificada essa preocupação. E é nesse sentido que a prevenção da mortalidade e da incidência do suicídio é objetivo dentro de correntes psiquiátricas e psicológicas, estendendo-se ao campo circunscrito da suicidologia. No ano de 2002, o projeto “SUPREMISS, multiside intervention study on suicidal behaviors” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002) foi lançado com objetivos globais de redução da mortalidade e da morbidade associadas ao suicídio. Não discriminando se o desfecho é fatal ou não, o foco está no comportamento suicida. Este projeto compreende a avaliação de estratégias de tratamento para tentativas de suicídio, uma pesquisa com pessoas que apresentam comportamentos e ideações suicidas e uma descrição dessa comunidade com o objetivo de avaliar índices socioculturais. Neste documento são oferecidas instruções relativas aos instrumentos a serem aplicados por um entrevistador. Com o objetivo de informar, identificar variáveis válidas e confiáveis para determinar fatores de risco, descrever padrões de comportamento suicida e melhorar a eficiência de serviços gerais de saúde, a aplicação dos instrumentos segue um método específico de operação. Entre as etapas destacadas no instrumento, em um subprojeto é disposta uma Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 34 – p. 63-70 – Dezembro. 2010 Não te matarás: suicídio, prevenção e psicanálise 65 breve intervenção para a prevenção do suicídio (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002, p.3) que se constitui em uma sessão de uma hora de informação individual. O conteúdo da sessão assim é estabelecido: “comportamento suicida como um sinal de sofrimento psicológico/social; fatores de risco; epidemiologia básica/repetição; alternativas; contatos/referências”. Com objetivos específicos de fornecer informações acerca de comportamentos suicidas, fatores de risco e de proteção, enfrentar mitos, emitir pareceres e recomendações e motivar o paciente ao tratamento, essa sessão de informação tem como fundamento algumas considerações sobre o comportamento suicida.

A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO E A VULNERABILIDADE COMO FUNDAMENTO

suicidio.jpg
879_O.jpg

E comece a levar uma vida mais saudável HOJE MESMO

bottom of page